terça-feira, 22 de março de 2011

Jardins Sagrados

Instalação da escultura Jardins Sagrados no Museu da Universidade Federal do Pará. Esta obra foi resultado do Prêmio Marcantonio Vilaça e integra o acervo da instituição

por Marisa Mokarzel
O processo de pesquisa é uma constante no trabalho desenvolvido por Armando Sobral, desde a gravura até as experiências com o tridimensional. A preocupação com a técnica e conceitos, as propostas sedimentadas na história da arte fazem parte de um discurso, da materialização de uma idéia que se constitui em processos mentais organizados a partir de um conhecimento adquirido com anos de estudos e experimentações.
A instalação Jardins Sagrados é resultante de trabalhos anteriores, como Artefatos, realizado em 2006, na área histórica da cidade. Nesta obra a relação tempo, memória e espaço, era fundamental. Mas, é principalmente com Barroco, Traço Infinito, apresentado em 2009, na Casa das Onze Janelas, que Armando tece uma continua relação de materiais, procedimentos técnicos e pensamentos. A proximidade com o sagrado, a presença do orgânico, a opção pelas cores, pelo lúdico e a articulação com o espaço expositivo, questões presentes no Barroco, Traço Infinito, retornam nos Jardins Sagrados.
Outra referência, trazida da Idade Média serve como eixo para conceber a instalação. O hortus conclusus impõem-se ao artista como fio condutor para pensar a constituição dos três jardins que formam o Jardim mor: o Sagrado. Enclausurados em caixas, brotam do claustro imaginário jardins em vermelho, azul e amarelo, cores barrocas que recobrem as orgânicas peças, responsáveis pelo movimento, pelo percorrer do inquieto olhar. São três relevos, semi-ocultos que, incontroláveis, parecem germinar infinitamente. Os mistérios encobertos, presos às camadas subterrâneas, permanecem invisíveis, provocando sentimentos indecifráveis e igualmente misteriosos.
Na superfície espelhada, sobre a caixa, que protege ou aprisiona o jardim, há um cruzamento de tempos e espaços, uma memória que remete ao passado, revela o presente fixo e móvel que surge do entorno, do prédio antigo que abriga a exposição, dos visitantes que se movimentam e deixam refletir a imagem efêmera que penetra o muro virtual que cerca o jardim. Disposto em fila, o horto sagrado abdica da forma fechada do triângulo, para dispor-se em reta e abrir-se ao infinito.
O cenário museológico escolhido para mostrar o Jardins Sagrados afirma o lugar convencional da arte, mas essa condição que sacraliza, pode ser repensada ao rever o papel que a arte ocupa na cultura contemporânea. O compartilhar com mãos artesãs a manufatura da peça, a feitura de uma superfície lisa para melhor absorver a incidência da luz, reforça o claro e o escuro que recobre o volume. O artista opta por um recurso tradicional aplicado a uma situação que elabora questões especificas da arte, e por esta razão desloca procedimentos convencionais, atualizando-os.
Ao juntar-se a artesãos e marceneiros, Armando Sobral transforma o seu ateliê em guilda contemporânea, na qual interesses comuns, proteções e ensinamentos mútuos estendem-se por meses de convivência, por trabalhos constantes, exigências técnicas associadas a um projeto pensado em minúcias, visando uma obra que conjuga referências da história da arte com uma contemporaneidade instável e paradoxal. 


segunda-feira, 21 de março de 2011

Mercado de arte em Belém, de quem é a responsa?

O Atelier do Porto aposta em um mercado mais informado. Além de apreciar as obras de diversos artistas, o público conhece de perto os processos que levam à criação e produção dos trabalhos.

Entrevista para o Diário do Pará.

por Armando Sobral
 Como é o trabalho de um artista plástico ou artista visual?
Primeiramente, gostaria de deixar claro que baseio as respostas em minhas próprias experiências e escolhas.
Como qualquer outra profissão, o trabalho artístico exige disciplina, organização e de um espaço em condições adequadas para a produção. Geralmente, com poucas exceções, o artista não tem como contar somente com a venda da sua obra, circunstância que o leva a diversificar o seu campo de atuação. Encontramos profissionais que mantêm sua produção artística e dedicam-se ao ensino da arte em universidades ou em escolas públicas ; outros se capacitaram para atuar na gestão pública onde desenvolvem políticas ou administram instituições; ainda há os que buscam conciliar sua carreira com um trabalho mais independente como produtores culturais, designers gráficos, fotógrafos, etc. Dessa forma, o trabalho de um artista plástico depende da maneira como ele administra suas atividades, às vezes conflitantes, e organiza seu tempo para se dedicar à sua criação. Talvez, o maior esforço seja manter-se firme e determinado em priorizar o trabalho artístico, caso contrário corre o risco de enfraquecê-lo e de ser suplantado gradualmente por outras atividades.
Cresce a oferta de recursos através de editais e de linhas de financiamento para exposições, publicações e pesquisa; política presente nas esferas pública e privada responsável pela descentralização dos recursos e que permite ao artista desenvolver projetos que demandam investimentos maiores, além de se constituírem em plataformas estratégicas para a divulgação e inserção do trabalho no circuito. Então, quem pretende contar com os benefícios dos programas existentes de apoio financeiro à cultura, deve administrar, organizar e planejar sua carreira, como também qualificar-se para atender as exigências burocráticas impostas pelos regulamentos e normas dos editais ou pelas linhas de financiamento de empresas, que normalmente exigem das propostas os selos de incentivos fiscais.
         Atualmente, o perfil do artista profissional é o de criador e curador, faz e cuida da própria produção. Seu dia-a-dia é, por um lado, um permanente estado de concentração no trabalho de criação e, por outro, o caminho da sobrevivência e a busca por alternativas para produzir e difundir a sua obra com mais eficiência.

Como é o Mercado de trabalho em Belém?
         De maneira geral, existe o mercado que compra e vende objetos de arte, sejam eles quais forem, e outro que absorve o profissional formado em arte, que não precisa ser necessariamente um artista - o professor de arte, acadêmico ou não; profissionais para o trabalho em museus e instituições culturais; mediadores; web designers; ilustradores e outros. Em Belém, o primeiro se retraiu a tal ponto que, praticamente, desapareceu – se é que existiu em algum momento; o segundo vem crescendo com a ampliação dos equipamentos culturais e a exigência de técnicos e gestores, de mediadores para as exposições, de arte-educadores para as escolas ou instituições culturais, artistas para atuarem em projetos de empresas, ONGS ou institutos, a demanda por criadores que dominam as novas tecnologias da imagem, e por aí vai.
         Contamos nos dedos as empresas da região que incentivam a produção artística local, a maioria prefere criar suas fundações ou institutos e definir o marketing cultural de valorização da própria imagem empresarial para captar recursos ou tirar proveito das leis de incentivo fiscal. Constatamos um crescimento imobiliário sem precedentes que poderia se transformar em nicho potencial do mercado de arte em Belém, mas a falta de assessoramento, ou mesmo de visão, leva os empresários a investir em outros mercados com a aquisição de trabalhos de gosto questionável e sem valor de mercado. A mudança dessa lógica para a valorização da arte local com consultoria técnica respaldada seria uma iniciativa transformadora tanto para os artistas quanto para os próprios empresários, o dinheiro retornaria para a cadeia produtiva local.
         São raros os colecionadores e as poucas, e heróicas, galerias existentes não chegam a constituir um mercado estimulante, o artista não sobrevive de vendas ocasionais. O circuito artístico é globalizado e sempre acolhe novos fluxos, os artistas locais deveriam saber se beneficiar disso por sua posição estratégica de encontrar-se em um centro que vem se referenciando no cenário artístico contemporâneo. Acredito que o momento seja do artista organizar a cadeia local, formar público e estimular um circuito mais independente, missão até agora assumida pelo poder público – com algumas ressalvas, é claro.

O que existe hoje de mais moderno no campo de trabalho?
         O que existe, de fato, é o mito em torno do ‘novo’ . As tendências surgem e desaparecem ao sabor dos interesses de mercado e pouca coisa permanece. Na última Bienal de SP, por exemplo, foi evidente a ênfase dada ao vídeo e à instalação. Mas o que há de novo nisso? Nada, são tendências reeditadas e que se renovam há décadas com o emprego das novas tecnologias disponíveis, que vem tornando esses ambientes cada vez mais estimulantes. Talvez a gente se encontre em um período de aperfeiçoamento, pelo menos é o que me parece.  

Ainda há campo para as artes tradicionais como escultura, xilografia, gravuras?
Em arte, a técnica não é o fim – um jargão que precisa ser relembrado de vez em quando. Qualquer modalidade técnica, seja ela qual for, é um meio legítimo de expressão e, certamente, tem o seu lugar assegurado, na medida em que o artista a coloca a serviço da sua própria experiência e visão.